sábado, dezembro 25, 2010

"Eu conto as horas que passam
Eu conto estrelas no céu
Na solidão das noites sem graça
Nos quartos de hotel
como se chama essa cidade?
como se chama atenção?
De uma cidade que dorme
Enquanto a gente, infelizmente, não?"

Comecei o ano morando em um hotel. Já tinha casa, mas ainda estava lá. Mudei-me só no dia 23 de janeiro. Bem me lembro: um colchão no plástico, um fogão na caixa. Nada mais. Um sinal wireless aberto. Nada mais.

Noites vazias e quartos de hotel continuariam. Foram 83 dias. Oitenta e três longos dias longe de Brasília. Dias corridos, do norte ao sul do país. E até fora dele. Jogado em um cobertor imundo em uma terra distante que tremia. Calorento na selva. Isolado em grandes cidades.

Mas também tive dias bons longe daqui. Até o fim do ano, vão ser 33. Praia, pai, mãe, pizzas conhecidas e lembranças. Também uma ida à cidade perto. Ainda prefiro Guaramiranga.

Viajei muito esse ano. Ainda bem. Apesar de tudo, gostei.

Sempre foi bom o retorno. Sempre olharei emocionado pela janela. Ou até quando não tinha. Voei 70 vezes, de acordo com a lista precisa que já precisa de mais folhas na agenda. Desconsiderei uns voos de transporte de alimentos. Mas lembro de cada um deles. De Blackhawk. De Legacy. De Super Tucano! Até TAM, Gol, Passaredo, Avianca, Webjet. De UTI aérea.

Ali, onde posso ver que o céu tem muitos tons de azul.

quinta-feira, dezembro 16, 2010

Quando eu tinha 20 anos, Noblat era Bíbilia. Havia quatro tipos de jornalistas: os raros, que escreviam bem e apuravam bem; os que escreviam bem, mas apuravam mal; os que apuravam bem, mas escreviam mal; e as "grandes figuras humanas".

Hoje, não há quatro tipos de jornalistas. Hoje, hão jornalistas. Assim mesmo, no verbo mal conjulgado. Alguns com diploma, outras sem. Hão.

Frases mal escritas, nenhuma linha de pesquisa, como é mesmo o nome do oceano que separa a França do Brasil?! Hão. Moças de brinco que brilham, homens de óculos grandes. Hão.

Não há mais filosofias, vontades, ideologias. Hão frases fáceis e reclamações. Hoje eu vejo muito mais que um tipo. Nem sequer são grandes figuras.

Hão.

quarta-feira, dezembro 15, 2010

Rio do inglês correto, mas errôneo. Mais uma vez, o voo está embarcando. Is now boarding. Snowboardig. Imagino a prancha colorida na montanha nevada. O sorriso do turista, entre todas essas caras.

São faces de olá. São faces de adeus. São faces como a minha, de até logo. Rostos que dizem "não vou mais para o trabalho de ônibus". Mas levam horas, dias até, para voltar para casa.

Ouço os sotaques de todos os locais. Nesse caos-aeroporto-lotação de capital do Brasil em um domingo à noite. Os R puxados. Os xiados que até irritam. Nosso canto cantado.

Se contar com os dos pés, uso os dedos para quando estarei na praia. Pai, mãe, todo mundo, areia, um natal como não tive ano passado. Feriado que conquistei e que agora conto em muitos dedos.
Há pouco estive lá. Quando a porta traseira abriu, abri os pulmões e inspirei fundo aquele ar que sempre confundi com vento. Não era frio, mas refrescava. Agrádavel, meio molhado, de casa.

Mas não pisei no solo. Não saí do avião. Deveria permanecer imóvel, pois não era meu destino. Cruel. Como quem rezou demais e recebeu punição. Eu, que tinha o Makro e a Lagoa da Parangaba como locais de tristeza, vontade e esperança, naquela hora só podia me esticar e ver de longe as ruas amigas sumirem sob a asa.

Ah! Aquele destino um pouco ao Norte, um pouco ao Leste! Um tanto da minha vida, que sorte! Como mais perto do sol, mais perto de mim. Mais perto de ser feliz. Onde não é mais casa, mas para sempre será um lar.

Atrás de mim, agora, uma fila vai para lá. Vontade de apertar as mãos, um a um, e desejar boa viagem. A fila se vai. A moça de preto e vermelho mal olhas fotos. Não confere os bilhetes. Nada. Ela só recolhe os papéis, nesse caos-aeroporto-BSB. Haverá uma poltrona vazia?

Posso correr, posso fugir. Posso só depois fingir que foi engano. Mas merda, sou lúcido, Campos. Vou mesmo para Manaus.

Com muitos dedos nas mãos. E nos pés.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Sexo e morte. Não há qualquer outra força além disso. Há quem pense que somos só uma grande máquina controlada por genes que querem se multiplicar a qualquer custo. Antes que o tempo acabe. Prefiro acreditar que somos simples, e só. Raiva, inveja, desejo, esperança. Tanto faz. São só derivados de duas forças opostas, mais fortes, acima do que somos, acima do que conseguimos pensar.

Tentamos raciocinar trocando os nomes. Pode-se chamar de amor. Pode-se chamar de medo. Pode-se chamar de Deus. Ou de Diabo. Tanto faz, não importa. Ilusões que complicam o que é para ser fácil. O ser humano se importa com os seus limites, mas só vivencia de fato o meio.

É o caminho que importa, e não a chegada, diria alguém de olho puxado. De fato, morremos só uma vez. Multiplicamos algumas, ou nenhuma. E temos medo de ambas as coisas! "É preciso se conhecer muito bem para se multiplicar", diria O Encontro Marcado. Já a morte vem calada.

Inventamos Deus. Egoístas. Um Deus à nossa imagem e semelhança. Um Deus panacéia, amigo que indica coisas certas, mas nos conforta nas erradas. Esquecido quando conveniente, solicitado mesmo que para passar por cima dos outros.

Desejo de sexo, medo da morte. É lógico que Deus surgiria ao se olhar as estrelas. A última visão de muitos. Na boca de um animal selvagem, atravessado por uma lança, convalescente de uma doença fatal. O melhor momento, quando em posição favorável. Mas também pedras, água, terra, lençois.

Vivamos o meio. Não os extremos. Pouco importa se o hormônio controlado dos ovários torna inócuo o momento de prazer. Ou capa de borraca. Não se interessa se os hormônios aplicados na comida reduzam o tempo de vida. Pouco importa a multiplicação, pouco importa a morte.

Nada de Deus, nada de sexo. Só os segundos de prazer. E mais nada. Como trocar o suor do rosto por água pura, concluir um pensamento e, aí sim, se auto-dizer: sim, eu existo. Chegar meio do dia e encontar lugar no mundo. Olhar para as estrelas sem sangrar, nem gozar. Ver limites e o que há muito mais além deles.