quinta-feira, abril 12, 2007

Tacava a bola na parede com força e dava um salto, fazendo pose, para defender feito homem-elástico. É claro que eu sabia aonde ela ia, mas errava quando era hora de ser o goleiro reserva. Bom mesmo era se ver como artilheiro.

Luisinho. Até admitira. Nome de craque. Só era pena que na escola as outras pernas na quadra não ajudassem como o portão da garagem, e o apelido que ainda hoje odeio fosse só mesmo uma referência ao tamanho. Deixa pra lá. De tarde, esquecia tudo, vestia a blusa do meu pai - ia até depois do joelho - e fazia gols sozinho.

Em uma certa época, eu não ficava tão sozinho e pegava ele me olhando. Daquela cama de hospital na sala de casa, meu avô nunca pode fazer um único comentário, mas eu sentava e contava tudo. Se ele pensou que um dia teria mais gente na torcida, errou feio. Primeiro porque morreu pouco depois, ali mesmo. Segundo porque a parede não deixava ver o que eu fazia quando cansava.

Olhava pra cima. E não era em busca de Deus, nem de ajuda. Pelo contrário. O martírio de alguns me fazia bem. Era um barulho que vinha crescendo, baixava o trem de pouso e curvava para depois morrer na pista perto dali. E enquanto eu olhava as camisas começaram a chegar só mesmo até a cintura, aprendi tanta sigla que até hoje não sei pra quê. Tudo culpa dos AT-26 do 1°/4°GAv, os Xavantes do Pacau da BAFZ e sua rota de pouso.

Estava certo. Decidido. Eu ia ser piloto. E dos bons. Nunca entraria em guerra, mas teria lindas imagens, uma vida agitada e certeira. Pirassununga, Natal, Fortaleza, Anápolis e dali qualquer distância seria pouca para um supersônico. Mais velho, cruzaria oceanos levando gente para lugares distantes.

Só que a Varig não voa mais para o Japão. E os esquadrões foram reagrupados. É óbvio que o plano não faz sentido hoje. Nem nunca. É que são tortos. Vesgos. Pra perto de um lado, pra longe do outro. Estrabismo. Astigmatismo. Sangue escorrendo dos olhos para o rosto como bom resultado de cirurgia que já era uma certa desistência do Dr. Héverson.

Se um curativo incômodo e 3 dias de cegueira quase eterna eram explicações visíveis para ser desfalque nas olimpíadas da 4° série, o que eu não via é que não eram só os titulares que não notavam algo ao não perceberem a ausência do eterno reserva. Aquilo deixava claro que se um dia eu for pra Le Bourget, infelizmente, haverá aeromoças.

Não descobri como um grito, como em Little Miss Sunshine. Foi engolido aos poucos, ano após ano. Conselho após conselho. A cada grau que insistia em não ir embora, a cada dor de cabeça nos 4 anos que decidi simplesmente não depender deles. Consegui passar no vestibular, tirar carteira de motorista e ler muitos livros fingindo ver claramente bem. Só que nesses quase 1.500 dias, teve quem só pensou que eu tinha esquecido de colocá-los naquela manhã. Óculos já eram parte de mim.

Eu não acordaria, nunca, em Pirassununga. Eu não teria a desejada saudades de casa. Mas não cedia. Continuava sonhando com asas, mesmo quando olhava grades curriculares de arquitetura, geografia ou mesmo pedi para ganhar um violão. A resposta foi sim, mas depois de um ano pegando coragem para pedir, ficou difícil perguntar "e aí?" quando notei que não lembraram mais. Deveria ter pedido direto na loja. Fica a lição: não peça nada na praia, que lá só vende peixe e coca-cola. Aprendi isso, mas não quis nem saber de ver aquela prova. Vai que eu passaria. Seria bem pior.

Mas fiquem contentes por mim: o violão nunca veio mesmo. Ainda bem. A voz não é tão melhor que os dribles. Só que ela ainda tem um pouquinho de força, só um fiozinho, que já é o suficiente para perguntar: alguém me ajuda a ser um bom goleiro de verdade?! Quem sabe eu acabe indo aos céus, que nem o vovô.

Um comentário:

Anônimo disse...

lindo post. lindas palavras que juntas formam uma lembrança e tanto. inesquecível.
beijo...