Brasília me faz sentido, aos poucos. No bordado do colchão jogado no quarto ainda sem luz, no tempo calculado da caminhada do elevador de lá pro elevador de casa.
A cidade finge não ser cidade. Mas é. Ando pelo Setor Comercial Sul. Lá estão os skatistas, comerciantes, vagabundos, prostitutas, criança em busca de brinquedo, ladrões, fotocópias e salgados a R$ 1,50. Escondidos atrás de parede gigantesca. Beco da Poeira, Uruguaia, 25 de março. Perdidas aqui, tão perto mas que não aparecem no suposto cartão postal.
Fez-me sentido em leve caminhada. Daquelas de resolver a vida sem pressa, olhando os prédios que parecem se preparar para uma tragédia com plutônio ou algo assim. As calçadas brigadas com as ruas. Tomam próprio rumo, em um charme que às vezes dá em uma parede, ou nos faz andar mais.
E por aqui Kombi é loja, com algumas delas estacionadas oferecendo serviços. A terra que pouco vale fizeram-nos todos acreditar que vale muito, e é mais fácil a VW levar o serviço tão simples onde ele é necessário. É que o cachorro quente da 404 Sul está fechado. Seria quase uma esquina. Não era.
E na W3 quase acredito ser uma cidade de verdade. De lá, quem sabe, posso ver os prédios de onde o barro é sujo e dizem ter "águas claras". Ainda não vi essas águas. Vejo o céu tão carregado despejando trovões e raios como enfurecido de terem construído tanto concreto onde o não há seria a regra geral.
Chego à biblioteca. Biblioteca sem livros, mas boa biblioteca. Como numa festa de amigos, cada um leva o que quer. E sentam. E estudam. E estudam. E estudam. Alguns dormem. Infelizmente, pouco produzem. Só reproduzem. Reproduzem. Reproduzem. Reproduzem cada alínea com desejo de reproduzir os que já estão nos prédios caixotes ali perto. Salário, segurança, financiamentos, investimentos, morte. Um livro de literatura me parece melhor.
Mais ao fundo, os que estão nos pratos virados, chegaram aqui como quem pode ver o Executivo e o Judiciário pela mesma praça. Cada um ao seu tempo, trazem a reboque placas de carro de todos os lugares, expectativas de qualquer parte e a mesma vontade de seguir pelo Eixão rumo ao aeroporto. Sempre lotado aeroporto. De cada voo que vejo e digo "em breve, estarei em um".
Mas hoje eu não vou voar. Caminho até a rodoviária. Sono, cansaço e suor são iguais em qualquer lugar. Moça grávida que pede esmola e cheira à cola. Ao lado da gravata e do esvoaçante verde da saia bonita. Pastel, coxinha, produtos eletrônicos. La garantia soy jo. Filas dos apressados pelo descanso antes do cansaço do dia seguinte.
Vem vindo meu ônibus. Se eu perder, só amanhã. Subo e recosto na cadeira almofadada. Vem aí quase uma volta ao mundo. Quase. E ninguém, absolutamente ninguém, levantou o braço pedindo para nos acompanhar.
quarta-feira, janeiro 13, 2010
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