segunda-feira, junho 27, 2005

"Que me desculpem Vinicius de Moraes, os editores e os redatores, mas repórter é fundamental. É certamente a única função pela qual vale a pena ser jornalista. Jornalista não fica rico, a não ser um punhado de iluminados. Jornalista não fica famoso, a não ser um outro (ou o mesmo) punhado e assim mesmo no círculo restrito que freqüenta ou no qual é lido. Jornalismo, por isso, só vale a pena pela sensação de ser poder ser testemunha ocular da história de seu tempo.

E a história acontece sempre na rua, nunca numa redação de jornal. É claro que estou tomando "rua" num sentido bem mais amplo. Rua pode ser a rua propriamente dita, mas pode ser também um estádio de futebol, a favela da Rocinha, o palanque de um comício, o gabinete de uma autoridade, as selvas de El Salvador, os campos petrolíferos do Oriente Médio. Só não pode ser a redação de um jornal. Por isso, é um privilégio ser repórter. (...)

Reportagem é uma coisa paradoxal, por se tratar, ao mesmo tempo, da mais fácil e da mais difícil maneira de viver a vida. Fácil porque, no fundo, reportagem é apenas a técnica de contar boas histórias. Se bem alfabetizado, pode-se até contá-las em português correto e pronto: está-se fazendo uma reportagem, até sem o saber. Difícil porque o repórter persegue esse ser chamado verdade, quase sempre inanintível ou inexistente ou tão repleto de rostos diferentes que se corre permanentemente o risco de não de conseguir captá-los todos e passá-los todos para o leitor/ouvinte/telespectador. (...)

Para executá-la, sejamos francos, exige-se muito mais transpiração do que inspiração. Mais esforço físico do que intelectual. Exige que se gaste a ponta do dedo telefonando para todas as pessoas que possam dar ao menos um fragmento de informação. Exige que se gaste a bunda nos sofás das ante-salas de autoridades ou "otôridades", na espera de que elas atendam o repórter e lhes dêem mais um pedacinho de informação. Exige que se gaste as pernas e as solas dos sapatos andando atrás de passeatas, comícios ou fugindo da polícia. Exige ainda gastar a vida lendo livros, revistas, jornais, documentos, relatórios, certidões, o diabo, atrás de detalhes ou confirmações ou, no mínimo, como ponto de partida para se iniciar um trabalho com um mínimo de informações prévias. Gasta-se a vista também no simples exercício de olhar com olhos de ver. Tem muita gente que olha e não vê detalhes que acabam compondo pedaços por vezes vitais de uma reportagem. (...)

Repórteres são ou não seres idiotas? São, mas às vezes conseguem até ser felizes na sua estranha maneira de viver a vida".

Clóvis Rossi - no prefácio de "As aventuras da reportagem"

Nenhum comentário: