sábado, agosto 30, 2008

Glicerina.
Sim. Eu aceito.

A vós jogo toda glicerina que passou pelo couro acima da cabeça. À vós os cabelos que um dia foram cuidados, um dia descuidados, e que hoje sonho em cuidar de novo. Tanto faz, agora. Sim, meus senhores, os pêlos acima e abaixo da boca; como o suor acima da vida debaixo de qualquer tic-tac de cronômetro em corrida em voltas.

Mais que glicerina. Bem mais que glicerina. Em troca, basta, tão somente, e tão unicamente, repassarem-me essas asas de galinha.

Não fazem voar por si. Mas já dava para sorrir entre aquelas aves de olhos mais retos.

E até.

quarta-feira, agosto 27, 2008

O cantor canta em língua estranha, mas eles só pedem "forró", "forró", "forró". Não é forró, é música mal cantada, lembra a de língua estranha, mas feita para só bocas e curvas.

E lá na rua, aqui na rua, automóveis, tão velozes, queimam. Imóveis. A fumaça sobe entre as linhas mal pintadas, no chão escuro e nos buracos maus, mal tapados quando longe do muro de vermelho e números. Mesmos números dos sorrisos de estúdio e frases decoradas.

Tudo feito de palavras. Uma ou duas; não dizem nada, mas sabem o que pedem. Pedem os dedos, ver a foto e barulhinho. Pronto. Quatro anos para duas ou três palavras se desfazerem.
Volto aos nomes em letra maiúscula com um ano em seguida. A régua com manchas azuis que não desenha, sublinha. Entre Rousseau e a Rússia pós-moderna, pensar em como entender aqueles outros nomes que ainda não conheci, misturar um pouquinho com os que eu sei, e sair algo interessante. Interessante para o professor que ninguém vê. Meus colegas de todos os lugares e currículos incríveis.

Eu, estudante da UFMG.
Eu, entre as horas sentado com pontos em negro na agenda; ousando ter pontos azuis de compromissos em que faço meu horário. Eu, entre antidesengordurante e sabores de amores de mais cedo, com o pensamento em opressivas instituições democráticas de muita liberdade.

E o eu, sonhador, decidindo sonhar em se sentir um estrangeiro. Mesmo que um estranho só de sotaque. Mas entre o sonho de nudez e o sonho de uniforme.

Sentido, sim, senhor.
Não faz sentido, não senhor.
Senhor.

sexta-feira, agosto 01, 2008

O nome dela era Letícia. Correia Rodrigues, acho.

Cresceu com uma marca estranha, na bunda. Não lembra como foi, nem sequer chorou: ao som da faca e cor de sangue, só tombou mais forte entre os peitos da mãe. Essa outra, tão acostumada a ver vida crescer entre pernas de partos, via morte na pequena terra da família. Foram os dois cabras que cuidavam das cabeças e do pasto, foi-se a pouca riqueza praqueles homens de chapéu de cangaço.

Lá longe, bem longe, lá pras terras de muito mato, muita água e muito trabalho, a outra que não sei o nome, mas diz-se ter Leite ao fim, lavava roupa em um tanque maior que o Rio Nilo. Pobre dela. Como conta da lavanderia, perdeu um filho que nem sequer se decompôs em terra. Deglutido.

Relato lúcido do último ano de lucidez da mãe da minha mãe, entre promoção de Fiesta 97 0 Km e resultados de exames com vista para a escada do Center Um.
História do pai do meu pai. Das barbas incompletas bem antes que sujas de graxa e chinelas sem conceito de propriedade privada.

E eu, bisneto do irmão do devorado pela cobra, sobrinho-neto da esfaqueada por cangaceiro, criado com leite de salas de aula e motores batidos de Fuscas e Opalas, sorrio com a aprovação do Departamento de Ciências Políticas. E, por si só, isso me faz otimista.
Um mês sem textos.
31 dias sem sequer uma vírgula.

É o fim?! Apatia?! Falta vida?!

Nada. Nada. Nada. Nada disso.

Pelo contrário. É o tudo, é o plano, é o casulo.
Eu e minha apostasia.

Leite entre dentes no achocolatado de manhã cedo. Copo de água antes de dormir.

Minha apostasia em sorriso, em raiva, em ira, em felicidade.
Felicidade. Cada suspiro uma negação da certeza infalível.

E essa apostasia! Essa apostasia, cada vez mais definitiva, em cada passada sob o viaduto e sobre as dunas.

Pôr do sol.
Pedaço de pizza.