quinta-feira, janeiro 28, 2010

Há um ano, minha vida se chama mudança. Um calendário inteiro de passar os dedos nos números com uma conta na cabeça. Uma ida ao Recife lembrando que foi lá que minha mãe mudou a vida dela. Chorei naquela volta de Guanabara como quem já sentia tudo o que vinha.

Eu andava de Guanabara, naquela época.

Mais duas idas, mais certezas do que viria. Corri. Suei. Comi bananada e passei muito gelo nos braços. Senti medo das minhas forças, mas era mais forte. Sorri. Sorri. Sorri e vibrei naquele centro histórico. Visitei o Bruno. E adorei vê-lo.

Voltei. Metade do caminho, até Natal, pela FAB. De lá, um ônibus diurno para minha terra. Como pensei ali. Já planejei todas as datas, até as de hoje. Meses de atencedência! E, ao chegar, vi o pai, a mãe e ela com o sorriso e o abraço que já parecem ser os de quando volto, hoje.

Toalhas, calças jeans e venda de móveis depois, tive minha última data. Corri sob o sol de meio dia em Quixadá. Angustiei-me com a certeza de que aquela era a última faxina. Transformei uma casinha de sonhos em uma casinha de saudades.

E, agora, cá estou. Um colcão, um fogão sem gás. E eu. Só eu. Por pouco tempo. Percorro as datas com o dedo no calendário. E minha conta é cada vez menor.

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Estar só é como se todos tivessem morrido por um instante. A janela só mostra a árvore, as paredes não dizem nada, não há água, não nada. Mas, logo em seguida, descobre que lá onde seria sua casa há sorrisos, comida e animação. Desliga o som da música repetida e um dos vizinhos faz lembrar que sim, há vida. Há vida.

Há vida lá fora. Fora do casulo, fora do meu lugar. Fora do meu caixão?! Estar só é como estar morto por um instante. Pelo banho que não toma e o cheiro que o toma após um dia a rolar sem nada fazer. O sono intermitente que vai e vem, fazendo tudo, menos estar acordado. Menos estar de pé. Acorde! Levante! Faça algo! Nada. As roupas ficam jogadas no canto de uma parede.


Visto um casaco. Desço. Boa noite. Bom dia. Boa tarde. A quantidade de palavras vai se reduzindo e é um prazer ver a moça errar o preço do sanduíche só para ter uma frase a mais. "Não. É três e oitenta. Olha aqui". Ainda sei falar! Ainda sei o que é abrir a boca e emitir sons para alguém! Mas logo me preocupo que a padaria tão próxima e vazia não é minha casa, e não lembro quando escovei os dentes.


Como quieto. Vou embora pela portas dos fundos. Caridoso, o mendigo me cumprimenta. Elevador. Quarto andar. Abro a porta e já é noite escura. Deixo a escuridão me envolver. É agora, quem sabe. Deito sobre o plástico do colchão guardado para quando tiver vida. Preciso de um banho. Preciso arrumar minhas coisas. Preciso ver se vai dar certo a máquina de lavar naquele canto. Preciso fazer o tempo passar.

Levanto. Vi que o telefone tocou. Ainda bem. Ligo, e volto à vida. Ainda com gosto acre na boca. Ainda em putrefação do ser e de aroma das axilas. A barba crescida como quem esqueceu o dia a dia. Quanto tempo faz?! Dois dias. Só dois dias. Mas só mais alguns para pular da tumba.
Pular e dançar qualquer música sem graça. É que meu telefone tocou. E cada item da mochila, gigantesca mochila, ganharam justificativa. Ainda bem. Um avião vai me levar. Um avião vai me salvar.



sábado, janeiro 23, 2010

Há pouco, gritava Kairós. Uma bem cedo, depois do café, outra mais tarde, antes do almoço, outro um pouco depois, exatamente antes do almoço, mais uma para começar a tarde e, por fim, outra para terminar as atividades diárias. Vez por outra, algumas adicionais para sair correndo, fazer ensaio com dificuldade de alinhamento ou qualquer outra coisa a mais.

Kairós, Kairós, Kairós, Kairós... Nome grego ad infinitum.

Quando ouvi, pensei que era de tribo de índios. Até parece. Todos quase iguais, andando igual, comendo igual, falando igual, morando igual. Uma igualdade um pouco desigual, mas, no fim das contas, chegamos juntos e saímos unidos. Por pouco tempo. Tempo sem mensuração, tempo não cronológico, tempo Kairós. Como a medida de amar é amar sem medida, nosso tempo junto passou sem ser medido (apesar de todos os dias eu saber quantos dias faltavam).

Mas a turma que nós fôramos seria como o é hoje. Uns pensam em ir logo para casa. Outro pensa na conta de luz. Mais um com a cabeça na lua e um último "escama" sem conseguir parar. E o grito AZUL, que já tem até mais tempo, mas só duas vezes ao dia, ainda nem sequer saiu da garganta.

E eu quero gritar. Eu preciso. Estar de cabelo raspados e a roupa suja. Ou simplesmente ter um sentido para estar longe de casa.

Tenho-o.

domingo, janeiro 17, 2010

Meus amigos, eu preciso contar uma história que ontem aconteceu comigo e com o Tenente Rachid.

Estar trabalhando no frio, em plena madrugada, depois de um dia inteiro de trabalho não parece ser uma realização muito grande. Mas tem coisas que fazem a vida realmente valer à pena.

Estávamos na Base Aérea de Brasília, mais de 4 horas da manhã, e já havia sido feito o desembarque do caixão da Dra. Zilda Arns. Os jornalistas faziam perguntas diversas, e uma senhora tímida, de olhar triste, acompanhada de um rapaz chamou o Rachid pro canto e fez uma pergunta sobre os brasileiros repatriados pela Força Aérea.

Ele me chamou e eu cheguei como quem ia atender a uma jornalista, mas assim que eu falei os dois primeiros nomes a cidadã abriu um sorriso e demonstrou uma alegria realmente incríveis. Não era jornalista. Era família. Ela é madrasta de dois rapazes que sobreviveram ao terremoto no Haiti, uns dos poucos sobreviventes do prédio onde estavam. Já tinham notícia de que eles estavam bem, mas eu e o Rachid demos ali a certeza disso e, melhor, estavam vindo para o país.

Foi uma imensa, gigantesca, satisfação perceber tão claramente que cada nome em cada notícia é uma vida humana. E todo o esforço que a FAB e outras pessoas e instituições fazem em salvar quem mais precisa de ajuda é extremamente válido e necessário.

Fico muito feliz de poder lembrar disso por muitos anos e ter a certeza que mesmo distante da tragédia posso dar a minha contribuição. É quando o cansaço ganha sentido e a gente se sente simplesmente feliz.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Brasília me faz sentido, aos poucos. No bordado do colchão jogado no quarto ainda sem luz, no tempo calculado da caminhada do elevador de lá pro elevador de casa.

A cidade finge não ser cidade. Mas é. Ando pelo Setor Comercial Sul. Lá estão os skatistas, comerciantes, vagabundos, prostitutas, criança em busca de brinquedo, ladrões, fotocópias e salgados a R$ 1,50. Escondidos atrás de parede gigantesca. Beco da Poeira, Uruguaia, 25 de março. Perdidas aqui, tão perto mas que não aparecem no suposto cartão postal.

Fez-me sentido em leve caminhada. Daquelas de resolver a vida sem pressa, olhando os prédios que parecem se preparar para uma tragédia com plutônio ou algo assim. As calçadas brigadas com as ruas. Tomam próprio rumo, em um charme que às vezes dá em uma parede, ou nos faz andar mais.

E por aqui Kombi é loja, com algumas delas estacionadas oferecendo serviços. A terra que pouco vale fizeram-nos todos acreditar que vale muito, e é mais fácil a VW levar o serviço tão simples onde ele é necessário. É que o cachorro quente da 404 Sul está fechado. Seria quase uma esquina. Não era.

E na W3 quase acredito ser uma cidade de verdade. De lá, quem sabe, posso ver os prédios de onde o barro é sujo e dizem ter "águas claras". Ainda não vi essas águas. Vejo o céu tão carregado despejando trovões e raios como enfurecido de terem construído tanto concreto onde o não há seria a regra geral.

Chego à biblioteca. Biblioteca sem livros, mas boa biblioteca. Como numa festa de amigos, cada um leva o que quer. E sentam. E estudam. E estudam. E estudam. Alguns dormem. Infelizmente, pouco produzem. Só reproduzem. Reproduzem. Reproduzem. Reproduzem cada alínea com desejo de reproduzir os que já estão nos prédios caixotes ali perto. Salário, segurança, financiamentos, investimentos, morte. Um livro de literatura me parece melhor.

Mais ao fundo, os que estão nos pratos virados, chegaram aqui como quem pode ver o Executivo e o Judiciário pela mesma praça. Cada um ao seu tempo, trazem a reboque placas de carro de todos os lugares, expectativas de qualquer parte e a mesma vontade de seguir pelo Eixão rumo ao aeroporto. Sempre lotado aeroporto. De cada voo que vejo e digo "em breve, estarei em um".

Mas hoje eu não vou voar. Caminho até a rodoviária. Sono, cansaço e suor são iguais em qualquer lugar. Moça grávida que pede esmola e cheira à cola. Ao lado da gravata e do esvoaçante verde da saia bonita. Pastel, coxinha, produtos eletrônicos. La garantia soy jo. Filas dos apressados pelo descanso antes do cansaço do dia seguinte.

Vem vindo meu ônibus. Se eu perder, só amanhã. Subo e recosto na cadeira almofadada. Vem aí quase uma volta ao mundo. Quase. E ninguém, absolutamente ninguém, levantou o braço pedindo para nos acompanhar.

terça-feira, janeiro 12, 2010

"Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas a minha insônia não é bonita nem feia – minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério".

Clarice Lispector

quinta-feira, janeiro 07, 2010

A perna dói.

E sorrio. O riso não vem de caminhada longa, mas de corte que parecia pequeno, mas é grande, mas alegra e conforta, mas não me mata, mas mata um pouco a saudade.

Mostro os dentes ao ouvir zabumba e sanfona, assim mesmo, sem triângulo, sem ser lá minha música preferida, mas só em ser perdida, como o sertão rodeado de cerrado, me agrada. vinte e cinco centavos pela lembrança do cheiro de pau d'arco.

E a minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia. Tá, tudo bem, foi à vista, sem crediário, mas foi Casas Bahia. Com aquele bonequinho que diz "sim, eu sei, eu também não sou daqui, então vem pra cá", preço baixo e satisfação depois de anos vendo propaganda da loja que não tem em Fortaleza.

Fortaleza. Como é bom pronunciá-la em cada letra. For-ta-le-za. FOR-TA-LE-ZA. Nome do meu time. Nome da minha terra. Nome certo de encontrar no site de passagem aérea.

Nome onde hoje está tudo. Mas, como eu disse, é só a lembrança do cheiro do mato. E a minha felicidade é um crediário nas Casas Bahia. Em breve vou descer dos andaimes para me atirar em braços e abraços. Mesmo que a perna fique avermelhada. Mesmo que tenha ardido um pouco na hora de tomar banho. Mesmo que doa para dar uma leve caminhada.

Toda dor é válida se vale braços e abraços.

terça-feira, janeiro 05, 2010

Não há hora para morrer. Não há o que dizer ao corpo enrijecido. Não adianta falar em alguém se na mesma noite vamos dormir com a certeza daquele alguém ter ficado sob cimento. É duro. É fato. E é verdade.

É verdade que a ligação telefônica poucos minutos antes ganha força. Um capricho de petit gateaux há meses é a certeza de ter feito tudo corretamente. E aquela mão que me apertou com a força dos olhos que não piscavam enriqueceu, afinal, o último olhar.

Cheiro de flores.
Cheiro de flores.
Cheiro de flores.

E sinto saudades de quando era só colocar Los Hermanos e todos gostavam. Falta de só atravesar a rua e vê-la. Ausência de amigos ateus, com piadas inteligentes e belas frases de teorias malucas com o "La Conjugasion" na mão. Oui, je sens que plus ça change, plus c'est la même chose. Je le sens. Je te sens.

Aquele corpo frio me fez chorar a dor da partida. E me deu certeza de que aquele creme de galinha nunca mais será provado. Como nunca mais vai existir o tempo em que não havia pêlos nas pernas. Ou o tempo quando havia galos, noites, quintais e barba.
Back in US
Back in US
Back in USSR

Essa cidade é estranha. Sim. E irônica. Eis que no país de tantas praias, tantas paisagens e diversidade, muitos de todos os cantos decidem se reunir aqui, presos a serem iguais como os prédios são caixas de sapato.

E ficamos perdidos! Ficamos todos perdidos! Os que gostam da praia, percebemos, correm no asfalto de sunga e tênis. Ridículos. Não seriam tanto se o mar estivesse logo ali, mas não está.

Nos enganamos. Os prédios daquele canto me lembram a praia da infância. Naquele outro, os quase arranha céu parecem esconder um marzão entre eles. Mais para o sul, as casas fingem não ser daqui.

Não ser daqui. Poucos são. Na verdade, já a metade. Mas a outra parte que não o é tenta nomear as ruas sem nome com lembranças das terras tão distantes. Numa esquina, eis o Rio Grande do Sul. Na feira, sobe o cheiro de comida que minha avó faria.

Nas vias, avenidas e quadras, sejam elas super ou não, escorrem sotaques, costumes e placas de carro de todos os lugares. Entre concreto e asfalto, as próprias árvores também solitárias se retorcem como quem sente saudades da floresta.

E as vozes tentam se igualar como se aqui fosse um só lugar. Não é. Vejo os hipermercados um em frente ao outro e penso como deve ser difícil fazer comércio por aqui. Olho os carros parados em vagas públicas e sorrio pela ideia, e detesto a prática. Mas adoro as árvores.

Sim, senhoras e senhores, eu não sou daqui. Mas é o meu lugar. Uma cidade onde só se fala em dinheiro com o desenho de uma comuna para pensar o futuro do país. De todo um país. Toda uma nação que se encontra no aeroporto para chorar e matar as saudades de nomes de ruas, praias e temperos.